CRISES EM VÁRIOS NÍVEIS TRAVAM MUDANÇAS NECESSÁRIAS AO DESENVOLVIMENTO ENQUANTO AS CONQUISTAS SE PERDEM

POR CRISTIANO ELOI

A situação política não deixa a economia evoluir e tende a continuar assim. Esta é a opinião de Merval Pereira, comentarista político da Globo News e da CBN, expressa durante palestra recente proferida aos DIEFS – Distribuidores Especializados em Food Service, em São Paulo. Para o jornalista, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, a crise econômica, política e moral paralisou o País e não há liderança política que seja capaz de fazer algo para mudar essa realidade. “Apesar de o ambiente ser propício e estar aberto a novidades, é necessário fazer ajustes, pois a economia está completamente desequilibrada e desestruturada. Acredito que apenas um presidente eleito terá forças para realizar as mudanças necessárias”, disse.
Pouco mais de um ano depois da realização do pleito presidencial de 2014, o País ainda não evoluiu. E pior ainda, não apenas foi incapaz de sair do lugar como acabou regredindo, o que pode fazer com que haja espaço para que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff evolua. “Pode ser que não haja forças políticas capazes de ocasionar o impeachment, mas a economia tende a piorar. E a crise política deverá evoluir para o impeachment da presidente, pois ela violou a legislação brasileira, passando todo o ano de 2014 exagerando no orçamento. Além disso, dois anos seguidos de Produto Interno Bruto (PIB) negativo apontam para uma situação difícil de o País suportar sem que a sociedade faça nada. Se a economia piorar, pode-se ter um maior apoio pelo impeachment”, afirmou.
Durante o evento, ao qual a revista DISTRIBUIÇÃO teve acesso com exclusividade, o comentarista falou a uma plateia de empresários atacadistas e distribuidores e nos concedeu uma entrevista exclusiva. Destacamos, a seguir, os principais tópicos da palestra e da entrevista.

Crise
Essa conjugação de crises – econômica, política e moral – paralisou completamente o País e está impedindo todo mundo de tomar decisões para qualquer lado que seja. Houve uma conjunção de fatores que levaram tanto a presidente Dilma como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a se engancharem em uma dependência mútua, de modo que um deles passou a depender de que o outro não caia para permanecer em seu posto, e aí ficam os dois juntos, amarrados, e sem que nenhum deles consiga fazer qualquer tipo de movimento que não seja a resistência para se manter no poder, e aí a gente vê essa paralisia que aí está. Mas agora, com o rompimento do PSDB com o Eduardo Cunha, pode ser que os grandes partidos se movimentem na Câmara para tirá-lo do poder e aí você poderá ter uma movimentação política capaz de levar a algum lugar.

Fim de um ciclo
Estamos vivendo o fim de um ciclo, o ciclo petista, que começou em 2002 com a eleição do Lula para presidente. Esse ciclo deveria ter se encerrado em 2014 na eleição para presidente, quando tudo parecia estar se preparando para uma transformação, e o ânimo do País estava voltado para uma mudança. Não aconteceu, por um lado, por efeito de fatores completamente casuais, e também pela manipulação absurda que aconteceu na campanha eleitoral. Ao mesmo tempo, tivemos uma campanha que levou boa parte da população a acreditar no que a oposição anunciava, a saber, que a economia estava em colapso e que seria preciso fazer coisas duras para manter a economia funcionando. Eles conseguiram convencer parte da população de que tudo isso era uma mentira, uma fantasia, para conseguir ganhar a eleição e levar o povo a acreditar que tudo estava muito bem. A partir da eleição, viu-se que a situação era realmente catastrófica. E essa perspectiva ainda se mantém, pois já estamos a um ano da eleição e o País ainda não saiu do lugar, não conseguiu definir o seu rumo por causa da crise política.
PSDB
O partido errou muito ao apostar todas as suas fichas no impeachment, aceitando inclusive apoiar o Eduardo Cunha e tentar atalhos na legislação para aprovar rapidamente o impeachment, o que deu oportunidade ao governo para denunciar o golpe da oposição e conseguir apoio, mobilizando a sua base a fim de se manter no governo. A questão do Cunha foi circunstancial e trouxe um apoio inesperado à presidente Dilma, o que resultou na paralisia do Congresso, e do País. Esse apoio ajuda a presidente a permanecer no poder, embora sem que ela possa contar com outro projeto que não seja esse.

Eduardo Cunha
Se ele permanecer na presidência da Câmara até o fim de 2016, acho que a tendência a partir daí será continuarmos nesse caminho até chegarmos em 2018. O País paralisado, mesmo com o Cunha fora da presidência, se ele conseguir se manter é porque ele tem o apoio da base parlamentar, do baixo clero do Congresso, que dará a ele um papel importante, mesmo fora da Câmara, e a gente vai acabar ficando nesse chove não molha até 2018. Em 2016, teremos a eleição municipal, onde veremos o fim da era petista, que será sacramentada. Tenho certeza absoluta de que o PT levará uma surra histórica na eleição de 2016, mas pode ser que não haja forças políticas capazes de impor o impeachment.

Impeachment
Não há nenhuma dúvida de que existem razões concretas para o impeachment da presidente Dilma. O PT trabalha muito bem politicamente e inventou uma tese jurídica que não corresponde à realidade, pois a Dilma é uma pessoa honesta, e por isso não pode ser “impeachmentada”. Não se trata disso. Ela não está sendo impedida, como o Collor o foi, por corrupção, ela será “impeachmentada” por ter quebrado, violado, a legislação brasileira. O fato concreto é que há leis no País, leis que precisam ser cumpridas. Ela passou todo o ano de 2014 exagerando no orçamento, tomando empréstimo e dando empréstimo onde não podia, fazendo tudo o que não podia fazer, justamente para se reeleger. Por isso, ela está enquadrada perfeitamente nos artigos da lei de responsabilidade fiscal, que levam ao impeachment, crime de responsabilidade. Não há nenhuma dúvida sobre isso. O problema é que o impeachment é um processo político.

Economia
Com a situação econômica piorando e o Eduardo Cunha saindo da presidência da Câmara em meados de 2016, acho que um cenário possível é o da posse de um novo presidente e o do processo de impeachment ganhando força junto com a crise econômica, que aumentará ainda mais nos próximos meses com o aumento do desemprego. Vamos ter dois anos seguidos de PIB negativo. É muito difícil, pois nunca tivemos isso na história do Brasil, em todas as crises pelas quais passamos. É muito difícil o País ter de suportar uma coisa dessas sem que haja uma movimentação, um apoio maior ao impeachment por parte de forças produtivas, que até o momento estão muito recatadas. No entanto, se a economia começar a se perder, é de se esperar que venha a ocorrer, de maneira natural, um apoio maior ao impeachment dentro das regras impostas pela Constituição.

PMDB
O PMDB está trabalhando claramente com a possibilidade de o Michel Temer assumir a presidência da República com a saída da presidente Dilma, e defende posições muito avançadas, como a definição de uma idade mínima para a aposentadoria, que é uma coisa necessária. É absurdo que o Brasil continue achando que as pessoas devam se aposentar aos 50 anos. Essa sugestão ninguém apresenta porque você não vai ganhar voto com isso, mas em um governo de emergência, de união nacional, você pode ter um ambiente que propicie reformas diversas.

PT
Essa decadência do PT vem sendo marcada pela atuação do partido ao longo dos anos e, a partir de 2006, ficou muito claro que o PT não era aquele partido que os eleitores não petistas supunham que fosse. Acho que a decadência do PT vai se confirmar em 2016 ou em 2018. Acho que em 2016 ocorrerá uma eleição de protesto contra o governo, contra o PT, e que o PT sairá muito menor dessa eleição.

Na oposição
O PT na oposição é diferente do PT no governo e pode ganhar uma vida mais vigorosa, uma atuação política mais forte. Mas não acredito que o PT será capaz de recuperar seu prestígio político no País por causa da derrocada da classe C. Prevê-se que em 2020 o Brasil terá o PIB per capita de 2010, isto é, vamos regredir dez anos no PIB per capita e isso mexe no bolso das pessoas. Então, vai ser muito difícil, embora, com certeza, o Lula tente comandar uma oposição diante de uma situação desse tipo. Vai haver um governo de transição nesse cenário e levará a 2018, uma eleição muito fragmentada, em que todo mundo vai apresentar candidato, parecida com a eleição de 1989, quando havia 15 candidatos importantes.

Lula
Acho que ele vai preservar essa aura que resta nele se a Operação Lava Jato não chegar diretamente a ele ou à família dele. Se essas operações os indiciarem, mesmo que ele não vá preso, isso terá consequências políticas, mas se não acontecer nada depois de todas as investigações, ele pode dizer que foi investigado, perseguido, e que não encontraram nada contra ele e isso pode lhe dar certo ânimo. Mas acho que, depois da tragédia do governo Dilma, que será de oito anos se ela continuar até o fim, o governo do PT caracterizará o pior desempenho econômico do Brasil desde a República, sendo o pior governo neste período. Não é algo trivial, é algo de peso.

Coalizão
Se o PSDB e o PMDB fizerem um governo de coalizão, pode ser que eles se desgastem neste ano e meio, dois anos de governo, pois não se resolve a coisa dessa maneira, e em 2018 chegarão muito afetados pelas maldades que ainda terão de fazer no governo. Todas essas questões estão sendo negociadas e analisadas em Brasília. Se o Michel Temer for o presidente, fica forte a ideia de que o Serra gostaria de ser o ministro da Fazenda, para repetir o FHC, e se tornar o candidato à presidência, e também a ideia de que o Meirelles quer a mesma coisa, substituir o Levy, dar um jeito na economia e se transformar no candidato natural à presidência. Tudo isso é possível, mas do jeito que a economia vai, é muito difícil que isso venha a se resolver nos próximos dois ou três anos, é muito difícil. O mais provável é que quem assumir a economia terá de fazer muita maldade e o resultado prático vai ser quase nenhum.

Inércia
Em 2018, será um novo governo o que terá condições de começar um novo ciclo de crescimento. Acho que do jeito que as coisas estão colocadas, se a economia não piorar muito, se não houver uma convulsão social, se a Operação Lava Jato não chegar a lugar nenhum, explicitamente em cima do PT, do Lula ou da Dilma, acho que a tendência maior é no sentido de a gente ficar na inércia e seguir até 2018 nesse quadro em que ninguém tem força para fazer nada e que ninguém tem condições de aprovar nada mais robusto para tentar mudar o panorama.

Renúncia
Para o Lula, a melhor coisa seria a Dilma renunciar. Então, o PT iria para a oposição – ela ainda diz que tentou governar, mas foram os reacionários que a impediram –, e ela vai para a oposição. Bem ou mal, ela está conseguindo sobreviver, mas eu não descarto essa possibilidade, tanto pela pressão do PT, do Lula, como no caso de a situação piorar pelo próprio desânimo dela e pela ideia de que ela poderá vir a ter de que é impossível continuar. Por mais que eu esteja convencido de que ela cometeu crimes que merecem a punição do impeachment, é preciso seguir os passos da lei, os rituais, caso contrário o País vai virar uma república de bananas. O que estão acusando de golpe não é golpe, golpe seria se a gente não pudesse tirar o presidente da república, as normas têm de ser rígidas para tudo não virar banal.

Anos perdidos
Também pode ser que fiquemos quatro anos com a economia negativa, o que mudará somente em 2018. Aí, já perdemos tudo, inclusive a competitividade internacional. Você ter em 2020 o mesmo PIB per capita de 2010 é uma tragédia, são dez anos perdidos.