Comida de rua busca faturar na Copa

Valor Econômico

Por Daniele Madureira | De São Paulo

Os estrangeiros e visitantes de todo o país que quiserem conhecer um pouco da comida de rua de São Paulo não poderão fazê-lo nas proximidades do estádio do Itaquerão. Por determinação da Fifa, é proibida a venda de comida dentro de um raio de dois quilômetros de qualquer estádio do país durante a realização do mundial. Mas alguns ambulantes da capital paulista entrevistados pelo Valor adotaram um plano B para driblar o cartão vermelho da federação e lucrar com a venda dos seus produtos nos jogos que acontecem em São Paulo e também nos dias em que os torcedores se reúnem para acompanhar as partidas da seleção brasileira.

“Vou ficar na Vila Madalena, onde os bares têm restrição de horário em dias de semana, mas os torcedores ficam na rua até mais tarde”, diz o autônomo Marcos Benício, dono do carrinho Mega Mini Pizzas. Nos dias de jogos da Seleção, ele e a filha pretendem vender bem mais do que as 150 mini pizzas que oferecem toda noite em frente à universidade Uninove na Barra Funda, zona oeste de São Paulo. Já Rolando Vanucci, dono do tradicional Rolando Massinha, que há seis anos serve massas na avenida Sumaré, zona oeste da capital, se uniu ao Bar do Luiz Fernandes, que promove um evento fechado nos dias de jogos do Brasil no Clube dos Oficiais da Polícia Militar, no Tremembé, na zona norte.

O “food truck” Buzina, por sua vez, que opera desde dezembro na Vila Olímpia, na zona sul, não funcionou na hora do jogo de ontem, mas antevendo o trânsito caótico que tomou conta da cidade horas antes de a seleção entrar em campo contra o México, estacionou o caminhão em frente a uma agência de propaganda no bairro do Paraíso e promoveu um “esquenta” para a Copa. Funcionou até as 14h30, indo além da maioria dos restaurantes, que fecharam às 14h.

Todos esses empreendedores fazem parte de um mercado estimado em R$ 26 bilhões ao ano no Brasil, segundo a consultoria ECD, especializada em alimentação fora do lar (food service). A cifra representa 10% do que é movimentado pelo setor de alimentação fora do lar – bares, restaurantes, lanchonetes, padarias, lojas de conveniência etc, que em 2013 cresceu 12% para R$ 260 bilhões. Lucrativo, o negócio de comida de rua está prestes a deixar a informalidade na capital paulista. A lei municipal 15.947, sancionada pelo prefeito Fernando Haddad em dezembro, acaba de ser regulamentada, por meio do decreto 55.085, publicado no mês passado.

No entanto, houve uma mudança fundamental entre a lei aprovada em dezembro e a regulamentada em maio: não é o ambulante que escolhe o ponto onde gostaria de instalar o seu negócio – algo que, em tempos de Copa, significaria ficar próximo de pontos de grande fluxo, mesmo sem ter a chance de estar ao lado do Itaquerão. Agora, cada uma das 32 subprefeituras deve indicar quais os pontos que elas consideram apropriados para a venda de comida de rua. Nem todo mundo aprovou.

“A subprefeitura da Lapa não reconheceu a região da Uninove como um ponto próprio para vender comida de rua, mas eu não vi nenhum local muito interessante entre os poucos 23 pontos que ela apontou”, diz Marcos Benicio. Além disso, o Valor apurou que algumas subprefeituras, como a de Pinheiros, estão fazendo novas “leis” em cima da lei, ao definir, por exemplo, que um ponto venda lanches e frutas – ou seja, determinando o cardápio do ambulante.

“Da forma como foi aprovada, a lei impõe muitas restrições ao empreendedor”, diz o advogado Mario Thadeu Leme de Barros Filho, do escritório Barros Filho e Almeida Prado Advogados. Ele se refere, por exemplo, à necessidade de o ambulante ficar, no mínimo, a cinco metros de distância de uma esquina, uma faixa de pedestres, um orelhão ou um ponto de ônibus. O vendedor também tem de estar distante ao menos 20 metros de uma estação de metrô e trem, de monumentos, hospitais ou estádios de futebol. E a pelo menos 25 metros de restaurantes, lanchonetes e mercados municipais.

A maior crítica de Barros Filho e dos empreendedores, porém, está na falta de mobilidade. “Em cidades como Nova York, os caminhões e carrinhos não estão no mesmo local todos os dias. Os comerciantes usam, inclusive, as redes sociais para anunciar o endereço em que vão parar, mas aqui a lei não permite isso”, diz o advogado. “Pela lei, o empreendedor precisa definir um endereço fixo e um horário antes de pedir o TPU [Termo de Permissão de Uso]”.

Para Lucas Baruzzi, assessor jurídico e de políticas públicas do gabinete do vereador Andrea Matarazzo, autor da lei, a nova regulamentação ainda precisa de aperfeiçoamentos, mas representa um bom começo para uma atividade que estava na informalidade. “Os comerciantes agora devem ter um CNPJ ou um certificado de microempreendedor individual e estarão mais sujeitos à vigilância sanitária”, diz Baruzzi. A fiscalização será feita pela Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) e pela Guarda Civil Metropolitana, no que se refere a aspectos técnicos, como adequação ao ponto e ao horário permitido (mínimo de quatro horas e máximo de 12).

Com mais de 11 milhões de habitantes, a cidade de São Paulo tem cerca de 100 mil vendedores de comida de rua, sendo que a maioria deles trabalha de maneira informal. Isso porque, desde 2002, a Prefeitura praticamente não emitia autorização para a venda de comida de rua, que ainda assim estava restrita aos dogueiros motorizados e aos pastéis nas feiras livres. “Existe um potencial enorme a ser explorado nesse mercado”, diz Enzo Donna, diretor da ECD.

Uma pesquisa feita recentemente pela consultoria no bairro do Brooklin, região sudoeste da capital paulista, identificou o movimento de vendedores de café da manhã. “Enquanto uma grande padaria do bairro servia, em média, 150 cafés da manhã por dia, ao preço médio de R$ 13 cada um, em um espaço de três quarteirões, cinco barracas de café da manhã vendiam, cada uma, 120 refeições, com tíquete médio de R$ 3,50”, afirma Donna. O consultor ressalta que os públicos da comida de rua e da padaria são diferentes – não há canibalização, mas complemento da oferta. “Um único ponto formal atrai ao redor de si cinco informais, que por sua vez atendem juntos uma demanda quatro vezes maior que a da padaria”.

O Sebrae-SP considera a nova lei positiva para os empreendedores, que poderão ter mais chances de crescimento do negócio ao sair da informalidade. Segundo a entidade, há hoje, na cidade de São Paulo, apenas 930 micro e pequenas empresas na atividade de serviços ambulantes de alimentação, ou seja, legalizadas. Para Bruno Caetano, diretor superintendente do Sebrae-SP, é o momento de o comerciante se capacitar para ir muito além do fogão. “Não basta saber fazer um ótimo churrasquinho grego”, diz Caetano. “É preciso entender de marketing, fluxo de caixa e preço”. (Colaborou Adriana Meyge)

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